terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Três formas de "convivência" com a insegurança pública (Texto de Jane Jacobs, 1961)

Pelas evidencias que temos até hoje, parece haver três maneiras de conviver com a insegurança; talvez com o tempo sejam inventadas outras, mas suspeito de que estas três venham a ser apenas aperfeiçoadas, se é que tal termo se aplica.

A primeira maneira é deixar o perigo reinar absoluto e deixar que os infelizes que defrontarem com ele sofram as consequências. Essa é a política adotada atualmente com relação aos conjuntos habitacionais de baixa renda e vários outros, de renda média.

A segunda maneira é refugiar-se em veículos. Esse recurso é utilizado nas grandes reservas de animais selvagens na África, nas quais os turistas são advertidos a não sair do carro em hipótese alguma até que cheguem ao alojamento. Essa prática é também empregada em Los Angeles.

Os visitantes desta cidade não se cansam de contar, surpresos, que a polícia de Beverly Hills os parou, pediu que justificassem por que estavam a pé e os advertiu do perigo. Esse recurso de segurança do público parece ainda não funcionar bem em Los Angeles, como demonstram os índices de criminalidade, mas talvez, com o tempo, venha a funcionar. Imaginem quais não seriam as taxas de criminalidade se pessoas sem carapaças metálicas se expusessem na vasta e desguarnecida reserva de Los Angeles.

As pessoas que se encontram em locais perigosos de outras cidades também costumam utilizar automóveis como proteção, é claro, ou pelo menos tentam. Uma carta endereçada ao editor do New York Post diz: “Moro numa rua escura, travessa da Avenida Útica, no Brooklyn, e por isso decidi tomar um táxi para chegar à minha casa, embora não fosse tarde. O motorista pediu que eu descesse na esquina da Útica, dizendo que não queria entrar na rua escura. E eu precisaria dele se quisesse andar por uma rua escura?”.

A terceira maneira, que já mencionei ao abordar o Hyde Park-Kenwood, foi criada por bandos de arruaceiros e abertamente adotada pelos criadores da cidade reurbanizada. Essa modalidade consiste em cultivar a instituição do Território.

Segundo a modalidade tradicional do sistema do Território, uma gangue apropria-se de certas ruas e conjuntos habitacionais ou parques – geralmente uma combinação dos três. Os integrantes de outras gangues não podem entrar nesse Território sem a permissão de seus proprietários, e se o fizerem correm o risco de ser espancados ou enxotados. Em 1956, o Conselho Juvenil da cidade de Nova York, desesperado com a guerra de gangues, obteve, por meio de seus funcionários, uma série de tréguas entre os grupos rivais. Diz-se que as tréguas estipulavam, entre outras condições, o reconhecimento mútuo das gangues a respeito das fronteiras do Território e um acordo de respeitá-las.

O comissário de polícia, Stephen P. Kennedy, declarou-se, logo em seguida, ultrajado com os acordos sobre os territórios. A polícia, disse ele, procurava garantir o direito de qualquer pessoa de transitar em segurança em qualquer local da cidade, tendo por direito fundamental a imunidade. Os pactos sobre os territórios, assinalou ele, subvertiam intoleravelmente os direitos do cidadão e a segurança pública.


Acho que o comissário Kennedy tinha toda a razão. Porém, precisamos refletir sobre o problema que os funcionários do Conselho Juvenil enfrentavam. Era um problema real, e eles estavam tentando resolvê-lo da melhor maneira possível, com os meios empíricos de que dispunham. Nas ruas, nos parques, e nos conjuntos habitacionais malsucedidos dominados por essas gangues, faltava segurança pública, da qual fundamentalmente dependem o direito e a liberdade de ir e vir da população. Sob tais circunstâncias, a liberdade do cidadão não era senão um conceito teórico.

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