sábado, 15 de setembro de 2012

A máquina de fabricar doentes.


Clotilde Tavares 
Presidente do Rotary Clube Natal
Atua, profissionalmente, com comunicação e arte.

Os serviços de atenção à saúde, tanto públicos como privados, também se organizam de acordo com a concepção mecanicista do organismo. Assim é que existe a organização hierarquizada dos serviços de saúde pública, com graus crescentes de especialização, onde o doente penetra no sistema e vai caminhando ao longo dele como numa imensa linha de montagem até chegar aos grandes centros de tecnologia médica cujo apanágio é o Instituto do Coração de São Paulo.


Concebido como uma máquina, o sistema deve ter a capacidade de absorver a maior quantidade possível de indivíduos doentes e devolvê-los como saudáveis. Para isso, grandes quantias são gastas no aperfeiçoamento da máquina, para que ela tenha condições de processar uma quantidade cada vez maior de doentes. Essas quantias são desviadas da medicina preventiva e de outros programas que impediriam ou diminuiriam a ocorrência de doenças. E esse é um problema difícil de sanar pois, como já se investiu bastante na máquina, não se pode agora desativá-la, o que fatalmente ocorreria se a medicina preventiva diminuísse o número de doentes. É semelhante a aumentar o contingente e equipar cada vez mais a polícia para acabar com a violência. O máximo que se pode conseguir é transformar a sociedade numa praça de guerra, com dois exércitos - policiais e bandidos - a se entrematarem furiosamente.

Parece que já nos encontramos perto dessa situação no que se refere à saúde pública. De um lado uma estrutura gigantesca de atenção à saúde com todos os vícios e problemas acarretados pelo seu exagerado tamanho. Do outro, um número cada vez maior de pessoas doentes, que buscam - e raramente conseguem - tratamento médico adequado.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

País tem 4,9 seguranças privados para cada policial

País tem 4,9 seguranças privados para cada policial


Temos aí, nesta notícia, mais um dado a confirmar a ideia de que segurança pública é um tema de suma importância e, apesar disso, está relegada, pelo Estado e Sociedade, a um plano inferior. A estratégia estatal para garantir tranquilidade ao cidadão parece estar muito aquém do necessário, caso contrário não haveria o crescimento, no oferecimento de segurança privada, que a matéria registra. Por sua vez a estratégia da sociedade é, em manifestada desconfiança com o aparato estatal, contratar empresas de segurança.

Talvez a realidade seja mais alarmante que os números da OEA, visto que há um contingente informal de prestadores de segurança privada, inclusive muitas micro empresas de um único indivíduo, normalmente um policial. Também é preocupante considerar que o peso da balança pode estar pendendo com maior intensidade para a segurança privada que o apontado, pois não estão contabilizadas as empresas de vídeo-monitorização e alarme.

Destaca-se da notícia duas questões perturbadoras, o fracasso do Estado em reproduzir, em termos de sensação de segurança, o crescimento econômico brasileiro (afinal houve grande alarde por conta de que o Brasil é a 6ª economia do mundo), isto é, parece que o Brasil cresce sim, mas apenas para uma determinada parcela da população e não para todos os brasileiros.

O outro aspecto pernicioso à maioria dos brasileiros é a elitização da sensação de segurança, visto que o contingente de “seguranças”, praticamente cinco vezes maior que o de policiais, conduz à inferência de que os serviços de segurança pública estão mais privados que públicos, ou seja, tem vantagem quem pode pagar por tal “conforto”, e, no caso da segurança pública, tal vantagem pode ser um caso de vida ou morte.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O contexto como causador de sensação de segurança

PALESTRA SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA E O CONTEXTO

Esta é a apresentação feita no Rotary Club Natal, em 13/09/12, sobre o contexto (em termos gerais) como formador da percepção de (in)segurança pelo cidadão.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Política européia anti-drogas em processo de endurecimento.

Durante algum tempo ouço, por via de leitura e mesmo em bate-papo, que a Europa tem uma política mais liberal em relação às drogas, mas MONET (pesquisador francês) não concorda com isso:

A intensificação da cooperação internacional contra o tráfico de drogas chocou-se por muito tempo com a diversidade das políticas seguidas, internamente, pelos países europeus. Um abismo, com efeito, separou por muito tempo os Estados que, na esteira dos Estados Unidos, tinham uma política muito repressiva e os que, ao contrário, procuravam limitar a extensão do flagelo por políticas permissivas.

A Holanda, em especial, por muito tempo teve a imagem de paraíso dos consumidores de drogas leves. Essa política liberal engendrou múltiplos problemas sanitários e sociais, o que provocou, pouco a pouco, uma reviravolta na opinião pública holandesa, que as autoridades tiveram que levar em conta.

Na Espanha, a liberalização brutal dos costumes que acompanhou o fim do franquismo levou as autoridades governamentais a adotar uma política muito permissiva em matéria de drogas. Mas também nesse caso, uma reviravolta se manifesta há alguns anos.

Certamente, em termos de princípios, todo mundo concorda em pensar que apenas uma política de educação e reabilitação dos drogados dará resultados a longo prazo. Mas, a curto prazo, os danos são demasiado importantes para não exigirem medidas imediatas. Isso leva os políticos europeus a se alinharem pouco a pouco com a posição americana (MONET, 2006, página 206).

REFERÊNCIA: MONET, Jean-Claude. Polícias e Sociedades na Europa. Tradução de Mary Amazonas Leite de Barros. – 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. – (Série Polícia e Sociedade; n.3).

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Espaços públicos são indicadores ótimos para o planejamento em segurança pública.


Roubo de rua está listado entre os tipos de crimes violentos pela British Crime Survey (agência britânica de estudos do crime) e esta classe de crime provoca mais apreensão, entre as pessoas, que os crimes contra propriedade, como furto simples ou furto de veículo. A autora Jane Jacobs (Jacobs, J., 1961, The Death and Life of Great American Cities, Penguin, Londres.) afirma que os espaços públicos são os órgãos vitais da cidade, e é essencial torná-los mais seguros para tornar a cidade mais segura. "Quando as pessoas dizem que uma cidade, ou um bairro, é perigoso ou é uma selva, o significado primário é que eles não se sentem seguros nas calçadas" (p39).
Extraído do artigo “THE STORY OF THE CRIME: functional, temporal and spatial tendencies in street robbery”, de autoria de Ozlem Sahbaz e Bill Hillier.

Texto originalStreet robbery is listed among violent crime types in British Crime Survey (BCS) and this class of crime is causing more worry among people than the property crime types such as Burglary or Car crime. As Jane Jacobs (Jacobs, J., 1961, The Death and Life of Great American Cities, Penguin, London.) puts it, the public spaces are the vital organs of the city and it is essential to make them safer to make a city safer. “When people say that a city, or a part of it, is dangerous or is a jungle, what they mean primarily is that they do not feel safe on the sidewalks” (p39).

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O projeto para o novo Código Penal

Miguel Reale fala sobre projeto para novo Código Penal

A entrevista é longa mas vale a pena ler tudo para entender um pouco melhor sobre o assunto.

O valor da imagem da Polícia Militar


Acabo de assistir o depoimento, ou melhor, o testemunho de uma juíza (Maria Lúcia Karam) que defende a legalização da produção, do comércio e do consumo de todos os tipos de droga (vídeo no site http://www.leapbrasil.com.br/). É a primeira vez que me deparo com este tipo de posicionamento, não me lembro de ter ouvido, anteriormente, ninguém defendendo a liberação da produção de narcóticos, e isto me levou a pensar nas práticas profissionais policiais-militares. A reflexão teve como ponto de partida a afirmação da juíza, dando conta de que “20% dos homicídios são praticados por policiais, nas favelas do Rio, atacando os ‘supostos’ traficantes, ou aqueles que se ‘assemelham’ a eles”.

Ao ouvir essa parte do depoimento imediatamente senti o golpe, na minha pele de policial militar. Isso provoca a reação instantânea de revolta e inconformismo, mas não alimentei esse sentimento, por mais natural que seja a alguém que “veste” essa profissão há 29 anos (sabedor que não vou “desvestí-la” nunca, nem que tentasse).

Reprimi o ímpeto inicial de “contra-atacar” e nesse momento me lembrei das consequências de uma situação muito parecida que ocorreu há 50 anos, isto é, ao uso que se fez das Polícias Militares na repressão aos subversivos, aos comunas, aos “inimigos da pátria”. Sobretudo me dei conta de como esse uso do aparato policial, com fins políticos, afetou a imagem da Polícia Militar, durante várias gerações.

A revolução de 1964 durou 21 anos e terminou há praticamente 27 anos, porém está viva, vivíssima, na memória de muita gente. A questão da lembrança perdurar não é um problema em si, o problema é que junto à lembrança seguem, a reboque, as ações de policiais militares (experimente ir ao Google images e coloque na busca a palavra “repressão”). Há pouco tempo houve a marcha da maconha e, o que causou a maior polêmica, não foram as discussões teóricas sobre o direito à expressão e à manifestação e sim a repressão policial.

Ao comparar contextos “ditadura” e “guerra às drogas” considero que estamos diante de duas situações com vários pontos em comum, ou seja, quando se fala em liberação da produção, comércio e uso de narcóticos a associação imediata que se faz à repressão a tais anseios é a da Polícia Militar, visto que quem prende os traficantes são policiais militares, que quem fiscaliza veículos e aborda pessoas suspeitas são policiais militares, quem entra em tiroteios com o narcotráfico organizado são policiais militares, enfim ao que parece, absurdamente falando, a liberação só não aconteceu ainda porque a Polícia Militar não deixou... É o mesmo que dizer, absurdamente falando, que a principal causa da ditadura ter fôlego para controlar o Brasil por 21 anos foi a atuação policial-militar...

A imagem da repressão política, no tempo da ditadura e que retorna, atualmente, em eventos de reintegração de posse (por exemplo), está muito próxima, segundo entendo, do que ocorre quando o assunto é “guerra contra as drogas”. Me parece que estes programas e projetos contribuem para a destruição da imagem policial-militar, no sentido de tornar, equivocadamente, violência e truculência sinônimos do serviço policial-militar.

O MAIOR PATRIMÔNIO DE UMA EMPRESA É A SUA MARCA.

Será que a marca "Polícia Militar" destina-se a estar colada a programas, ou projetos, de governo, que se prestam, parece que unicamente, a denegrí-la?