domingo, 31 de março de 2013

É bonito ser feio? Parte 2


Alguns torcedores do time de futebol Sport Club Corinthians Paulista estão presos na Bolívia, há algum tempo, acusados de disparar um sinalizador que atingiu, e matou, um garoto boliviano (clique aqui para ver a matéria).

Neste último sábado (30/03/13), ao assistir um telejornal vi, espantado, o tal grupo de torcedores, numa Repartição Policial, trajados com os uniformes de torcidas organizadas, um desses uniformes, especialmente, chamou minha atenção, por conta da inscrição “Pavilhão 9” e a imagem de um dos “irmãos metralha” (uma quadrilha de bandidos, personagens criados por Walt Disney para desenhos animados).




Este grupo de torcedores, segundo fiquei sabendo, nasceu da união de ex-detentos do pavilhão 9 (da Casa de Detenção, São Paulo/SP), que se uniram por serem corintianos e por terem saído da prisão. Mas ainda utilizam roupas listradas, talvez como uma recordação "romântica" de que estiveram na prisão.

As imagens acabam por exaltar, abertamente, a prática de delitos e a violência (a musculatura dos braços do metralha indica uso da força).

Este brasileiro é assistido por um advogado, será que este profissional não percebeu o descompasso entre a posição de seu cliente e os enunciados de sua roupa?

Qual o sentido de comparecer diante de policiais, na qualidade de indiciado, com tais mensagens pró-crime e violência? Duas possibilidades me ocorrem: desrespeito à Instituição Polícia ou falta de noção.

Apesar de possível, não acredito que o corintiano está a desrespeitar a Polícia, principalmente em sua atual condição. Inclino-me a acreditar que este indivíduo simplesmente não se dá conta da nocividade do que está “dizendo” com seu uniforme.

Arrisco o palpite de que, possivelmente, segundo uma lógica dominante no contexto deste torcedor, há mais vantagens em declarar, por suas vestes (talvez também pelo gestual, vocabulário, etc), que está ao lado do crime e da violência que o contrário.

Tempos difíceis...

quinta-feira, 28 de março de 2013

O medo do crime pode ser mais devastador que o crime

Texto do pesquisador/pensador Zygmunt Bauman:

Os perigos dos quais se tem medo (e também os medos derivados que estimulam) podem ser de três tipos. Alguns ameaçam o corpo e as propriedades. Outros são de natureza mais geral, ameaçando a durabilidade da ordem social e a confiabilidade nela, da qual depende a segurança do sustento (renda, emprego) ou mesmo da sobrevivência no caso de invalidez ou velhice.

Depois vêm os perigos que ameaçam o lugar da pessoa no mundo – a posição na hierarquia social, a identidade (de classe, de gênero, étnica, religiosa) e, de modo mais geral, a imunidade à degradação e à exclusão sociais. Mas numerosos estudos mostram que, nas consciências dos sofredores, o “medo derivado” é facilmente “desacoplado” dos perigos que o causam.

As pessoas às quais ele aflige com o sentimento de insegurança e vulnerabilidade podem interpretá-lo com base em qualquer dos três tipos de perigos – independentemente das (e frequentemente em desafio às) evidências de contribuição e responsabilidade relativas a cada um deles. As reações defensivas ou agressivas resultantes, destinadas a mitigar o medo, podem assim ser dirigidas para longe dos perigos realmente responsáveis pela suspeita de insegurança.

O “medo derivado” é uma estrutura mental estável que pode ser mais bem descrita como um sentimento de ser suscetível ao perigo; uma sensação de insegurança (o mundo está cheio de perigos que podem se abater sobre nós a qualquer momento com algum ou nenhum aviso) e vulnerabilidade (no caso de o perigo se concretizar, haverá pouca ou nenhuma chance de fugir ou de se defender com sucesso; o pressuposto da vulnerabilidade aos perigos depende mais da falta de confiança nas defesas disponíveis do que do volume ou da natureza das ameaças reais).

Uma pessoa que tenha interiorizado uma visão de mundo que inclua a insegurança e a vulnerabilidade recorrerá rotineiramente, mesmo na ausência de ameaça genuína, às reações adequadas a um encontro imediato com o perigo; o “medo derivado” adquire a capacidade de autopropulsão (BAUMAN, Z. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. Página 9).

domingo, 24 de março de 2013

Um ano de postagens neste Blog...


No dia 24/03/11 eu postei o texto “Herrar é umano!”, onde destaco o aspecto falibilidade, uma característica inerente aos seres humanos, mesmo nos seres humanos que trabalham como policiais.

Com esta postagem, no início de minhas práticas blogueiras, busquei trazer à discussão do tema Segurança Pública, um discurso diferente/divergente (ou melhor: discursos diferentes) do entendimento reducionista, que resulta na visão restrita ao número de policiais e de viaturas como fatores universais de solução para a insegurança pública.

Após um ano e 131 postagens (132, com esta) li muito, discuti muito e, sobretudo, aprendi muito (em termos acadêmicos, profissionais e pessoais). Entre leituras, discussões e aprendizado, me deparei com o urbanismo, em sua face “sintaxe espacial”:
Sintaxe espacial é uma ciência que investiga as relações entre características espaciais e fenômenos sociais, econômicos e ambientais.


Estes fenômenos incluem padrões de movimento, percepção e interação; ocupação, uso e valor de espaços físicos, o desenvolvimento urbano e comportamento social, segurança pública e criminalidade no espaço físico.
Conceitos e argumentos de sintaxe espacial auxiliam a compreender o espaço físico, principalmente o urbano, como produto e produtor de fenômenos sociais, sendo o foco deste blog a Segurança Pública, ou seja, como produto e produtor de fenômenos atinentes ao controle do crime e da violência.

Para além da arquitetura e urbanismo outras disciplinas acadêmicas, bem como pontos de vista multifacetados  direcionaram as postagens, numa demonstração clara de que a violência e o crime podem, e devem, ser observados a partir de várias lentes.

A intenção de criação do blog é demonstrar, discutindo, que o assunto segurança pública é interdisciplinar, portanto deve ser observado e compreendido a partir da diversidade de olhares e entendimentos, não é um espaço reservado em vista de que é -pelo menos deveria ser...- de domínio público.

Parafraseando a Constituição Federal -artigo 144-, pode-se dizer que se a Segurança Pública além de direito e responsabilidade de todos, NECESSITA de todos para se tornar, de fato, SEGURANÇA Pública.

Sendo assim, após um ano de publicações, continuo acreditando que, em relação à preservação da ordem pública e à existência de uma cultura de violência, todos nós, indistintamente, somos responsáveis e vítimas pela situação que aí está.

sábado, 23 de março de 2013

As vacas magras se encontram no pasto


O ditado popular, usado como título a esta postagem, afirma, calcado na sabedoria popular, que os iguais se atraem.

O administrador público, responsável pela Segurança Pública, deve atentar ao fato de que nos locais onde não há fiscalização frequente, haverá o encontro de pessoas que não gostam de fiscalização, ou melhor, que não resistiriam, soltas, num ambiente de fiscalização.

Nos locais, sobretudo comerciais, de ilegalidade (sem alvará de funcionamento, por exemplo), por óbvio, as pessoas que vivem na/da ilegalidade sentir-se-ão mais confortáveis.
O ajuste de uma cidade para que ocorra sensação de segurança exigirá, sempre, ajustes em todos aspectos da “vida” urbana, acima de tudo, a “vida” nos espaços urbanos públicos.

Neste sentido louvo a atitude dos administradores públicos de Fortaleza que promoveram um mutirão entre Guarda Civil e Polícia Militar para atuarem na fiscalização a estabelecimentos comerciais ilegais..

Se não forem retiradas as oportunidades de convívios entre as “vacas magras” elas continuarão a se encontrar e desfrutarem de “pastos” propícios a suas intenções delituosas.

sexta-feira, 22 de março de 2013

A faixa de pedestre reflete práticas sociais


Hoje, ao atravessar uma faixa de pedestre, dei-me conta das narrativas não-verbais que são repetidas, e confirmadas, a cada pedestre a atravessá-la, a cada encontro automóvel↔pessoa...

A aproximação é, normalmente, desconfiada, o indivíduo para, olha atentamente para dois lados e ao avistar um veículo, ainda que tudo indique que a chegada à faixa possibilite o atravessar, espera sua passagem, após verificar se não há nenhum risco aparente a área está liberada...



Algumas vezes os pés já tocaram as listras brancas, mas o tamanho e a invulnerabilidade automotiva impõe uma retirada (como ilustrado neste link), ou seja, quando o carro avança é melhor voltar à calçada que ser atropelado, e assim, o pedestre é expulso pela força do carro.

Este cenário do cotidiano das cidades representa, com muita clareza, as relações diárias de poder, quem tem poder para ocupar uma determinada área do espaço público urbano, e, quem tem que dar passagem...

Ao falar em desequilíbrio de poder, num sistema capitalista, parece que o poder financeiro aflui em primeiro lugar, poder financeiro para comprar um carro e enfrentar pedestres na faixa... porém acredito que, neste caso da faixa de pedestre, a força física adquire contornos de protagonista da ação, ou seja, se manifesta na capacidade de obrigar, pela força bruta, alguém a fazer algo que não deseja fazer...

Mais uma vez, temos aí na faixa de pedestre, um embate entre a força do direito e o direito da força, com efeitos imediatos na segurança e ordem públicas, neste caso e em muitos outros a grande aliada da comunidade é a EDUCAÇÃO !

Falta de educação gera falta de segurança.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Princípios policiais de Peel

O rol, de princípios policiais, leva o nome “Peel” em homenagem a Sir Robert Peel, o pai do policiamento moderno. Robert Peel foi Primeiro Ministro do Reino Unido por duas vezes, no século XIX, dentre as ações que desenvolveu há, pelo menos, uma com consequências que perduram até nossos dias: Peel ajudou a criar o moderno conceito de força policial, e, por conta disto, os policiais metropolitanos ingleses são conhecidos como Bobbies.



O nome de Peel, é evocado não pelo fato de que Robert Peel tenha elaborado o texto, mas em decorrência de que enunciou, na conceituação de uma força policial ética, o “espírito” destes princípios.
A lista abaixo, princípios norteadores da ação policial, indica, a meu ver, um caminho ético ao patrulheiro, aos comandantes dos patrulheiros e, sobretudo, aos administradores públicos, eleitos pelo povo, que têm a seu cargo a administração da Segurança Pública durante um mandato.

1. A razão de existência da Polícia é a prevenção do crime e da desordem.
2. O desempenho policial, no exercício de suas funções, deve ser reconhecido, positivamente, pelo público (antes de criticar leia o número 5).
3. Para obter e manter o respeito do público a Polícia deve incentivar a cooperação da população e a observância voluntária da lei.
4. Quanto maior a cooperação do público menor será a necessidade do uso de força física, pela Polícia.
5. A confiança da população na Polícia não está relacionada a agradar a opinião pública, mas sim pela demonstração constante de imparcialidade absoluta à lei, no serviço diário.
6. A necessidade de uso de força física, pela Polícia, só ocorre quando o diálogo, aconselhamento e alertas falharam.
7. Os policiais devem manter, o tempo todo, seu bom relacionamento com a comunidade, a ponto de fazer valer a tradição histórica de que a Polícia é a População e a População é a Polícia; policias constituem-se unicamente de membros da comunidade que assumem, em tempo integral e profissionalmente, os deveres que incumbem a cada cidadão, no interesse do bem-estar da comunidade.
8. Policiais devem sempre agir em acordo às suas funções legais e nunca usurpar os poderes do Judiciário.
9. O bom desempenho nos trabalhos policiais é validado pela ausência de crimes e desordem, e não nas evidências visíveis (prisões, por exemplo) da ação policial ao lidar com estas questões.


domingo, 17 de março de 2013

Vale a pena cometer crimes no Brasil? Parte 2

Imaginem esta história: marido mata esposa, confessa e, durante os últimos 4 anos, recebe pensão por ser viúvo.

Há algumas semanas, neste espaço, foi registrado o desabafo de um promotor de justiça a respeito da condição de liberdade, em que vive um homem condenado pelos homicídios do pai e da madrasta.

A situação é terrível, mas parece que o Estado pode "pregar peças" mais surreais, como o caso em questão, em vista de que um professor decide matar a esposa, a deixa em casa, vai ao velório, confessa o crime após um ano de investigações e mesmo assim obteve o "direito" a uma pensão, absurdo dos absurdos, pela morte da esposa, em outras palavras: matou, confessou e recebe pagamento mensal pelo ato...

Quanto tempo a Administração Pública ainda vai precisar para entender o que está a acontecer?

Qual será o impacto na percepção de justiça, de impunidade, que este caso produzirá?

sexta-feira, 15 de março de 2013

Brasil, mostra a tua cara, que agora é lei !!!

Trago aos leitores deste blog os comentários de José Vicente da Silva Filho, especialista em segurança pública, sobre a mais recente lei paulista (Lei 14.955, de 12.03.2013) para combate ao crime e controle da violência - a obrigatoriedade, sobretudo para motociclistas, de retirar o capacete e qualquer outro tipo de cobertura que impeça a visualização da face.

Eis o texto da lei:

LEI Nº 14.955, DE 12 DE MARÇO DE 2013
(Projeto de lei nº 823/09, do Deputado José Bittencourt - PDT)
Proíbe o ingresso ou permanência de pessoas utilizando capacete ou qualquer tipo de cobertura que oculte a face nos estabelecimentos comerciais, públicos ou privados
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO:
Faço saber que a Assembleia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei:
Artigo 1º - Fica proibido o ingresso ou permanência de pessoas utilizando capacete ou qualquer tipo de cobertura que oculte a face nos estabelecimentos comerciais, públicos ou privados.
§ 1º - Os efeitos desta lei estendem-se aos prédios que funcionam no sistema de condomínio.
§ 2º - Nos postos de combustíveis, os motociclistas deverão retirar o capacete antes da faixa de segurança para abastecimento.
§ 3º - Os bonés, capuzes e gorros não se enquadram na proibição, salvo se estiverem sendo utilizados de forma a ocultar a face da pessoa.
Artigo 2º - Os responsáveis pelos estabelecimentos de que trata a presente lei deverão afixar, no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data de sua publicação, uma placa indicativa na entrada do estabelecimento, contendo a seguinte inscrição: “É PROIBIDA A ENTRADA DE PESSOA UTILIZANDO CAPACETE OU QUALQUER TIPO DE COBERTURA QUE OCULTE A FACE”.
Parágrafo único - Deverá ser feita menção, na placa indicativa, ao número desta lei, bem como à data de sua publicação, logo abaixo da inscrição à qual se refere o “caput” deste artigo.
Artigo 3º - A infração às disposições da presente lei acarretará ao responsável infrator multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), aplicada em dobro em caso de reincidência.
Artigo 4º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Política de Segurança Pública ou Políticas Públicas de Segurança ?


Ao cidadão comum a lógica do trabalho policial consiste em dois vetores principais, quais sejam, ligar à Polícia e “dar parte” de alguma ação delituosa, ou ainda, ir à Delegacia de Polícia para registrar algum crime em BO (Boletim de Ocorrência). Esta visão indica, com clareza, como o Estado (re)age na prevenção ao crime e à violência.

Nas duas situações (solicitação ao comparecimento policial ou o registro a posteriori) o delito/crime, obviamente, já aconteceu, é coisa “passada”, e, sendo assim, qualquer atitude em relação àquela “ocorrência” é uma REAÇÃO policial, no intuito de produzir sensação de segurança.

Entretanto, entendo que tanto no acionamento para o atendimento emergencial como na lavratura de um BO a sensação de segurança - que no discurso é a finalidade da política de segurança pública -, fica, na prática, em segundo plano, ou melhor, deixar de existir. Quando o crime ocorre a sensação de segurança passa a ser sensação de INsegurança.

Em linhas gerais, resumidamente, essa é a atuação segundo um modelo de Política de Segurança Pública, isto é, a presença policial nas ruas, atendimento nas delegacias policiais, apresentação de delinquentes ao Poder Judiciário e, finalmente, a entrega ao sistema carcerário, a propiciar reeducação (???) para os criminosos pegos pela Polícia. Sob este modelo o olhar se volta ao criminoso, é o bandido, por conta de suas ações, quem recebe atenção.

Quando há a compreensão de que a tranquilidade em espaços urbanos públicos é o resultado de um contexto favorável, e não apenas da presença policial, abre-se caminho para a constatação da importância de Políticas Públicas de Segurança. Isto decorre da compreensão da relevância, para o contexto geral, da saúde, da educação, da oferta de emprego, da percepção de que a Justiça "funciona", etc.

Quando o Estado volta sua atenção ao cidadão (a gerar bons índices de desenvolvimento humano) é inevitável, segundo penso, que tal atitude resultará em maior segurança nas ruas, por vários motivos, inclusive por conta de que delinquentes também são seres humanos, em busca de realização pessoal, social, profissional, acadêmica, etc, e, nesta condição, devem ser considerados cidadãos.

Em outras palavras, cada aspecto do contato entre o Estado e o cidadão comporta-se como uma peça a compor uma imagem, uma percepção do cotidiano, se todas as peças cooperarem para a satisfação/realização do cidadão, tanto mais acolhido ele se sentirá, e, consequentemente, mais segurança, em todos os sentidos, será vivenciada.

A responder a pergunta-título desta postagem eu diria que não há escolha satisfatória entre Política de Segurança Pública e Políticas Públicas de Segurança, ambas são essenciais e a falta de uma impede a perfeita realização da outra. A Política de Segurança Pública tem seu foco em efeitos, ao passo que Políticas Públicas de Segurança visam causas.

terça-feira, 12 de março de 2013

Modernidade medieval (cidadania e urbanismo na era global)

É necessário entender o que se passa nas cidades, visto o destaque da tendência de urbanização no Brasil (86,53% da população vive em cidades).

Saber como "funcionam" as cidades é primordial para possibilitar o posicionamento -político, prático, cultural- diante dos problemas que exigem soluções urgentes.

O urbanismo contemporâneo propicia a diversificação de cidadanias, todavia é produto e produtor ao mesmo tempo, ou seja, as formas pelas quais os assentamentos humanos - formais e informais - se apresentam e se articulam, possibilitam a efervescência da cidadania pós-moderna e, simultaneamente  é formada por esta cidadania.

Os cidadãos buscam determinado espaço urbano, onde percebem-se confortáveis e formam espaços urbanos para sentirem-se confortáveis.

A conformação "geográfica" dos cidadãos contemporâneos pode ser analisada à luz da realidade das cidades medievais, como afirmam os autores do artigo Modernidade Medieval - Cidadania e Urbanismo na era Global.

Trago à colação o resumo do artigo:
Este artigo examina formas de cidadania associadas ao urbanismo contemporâneo. Concentrase em três espaços paradigmáticos: o enclave fechado, a ocupação regulamentada e o campo. Os autores argumentam que a paisagem formada pela cidadania urbana é crescentemente fragmentada e dividida. Essas geografias são constituídas por soberanias múltiplas e concorrentes que, quando exercidas sobre o território, dão origem a feudos de regulação ou a zonas “sem lei”. A fim de entender essas práticas, os autores empregam o quadro conceitual da “cidade medieval”. O uso da história como teoria joga luz em tipos particulares de cidadania urbana, tais como a “cidade livre” ou o “bairro étnico”, presentes em diferentes momento s do medievalismo e que guardam semelhanças com processos atuais. 

A encerrar esta postagem proponho a seguinte reflexão:

 Se a geografia das cidades influencia e é influenciada pelas práticas dos cidadãos, como deixar este aspecto de grande relevância fora das discussões relativas à Segurança Pública e sensação de segurança?

Quando a cidade encontra a não-cidade


Uma sequência terrível, composta por um atropelamento, com decepação de um braço, seguida de fuga e o "descarte" do membro num córrego, inspirou algumas considerações do blogger Leonardo Sakamoto, neste texto encontrei o termo não-cidade.

Penso que o Sakamoto usou o termo para falar sobre a impossibilidade de viver bem em São Paulo, ou ainda, pela falência do modelo de cidade que São Paulo representa. E este entendimento me levou ao não-lugar.

O não-lugar, pode ser definido, às expensas da internet, da seguinte forma:
O não-lugar é diametralmente oposto ao lar, à residência, ao espaço personalizado. É representado pelos espaços públicos de rápida circulação, como aeroportos, rodoviárias, estações de metro, pelos meios de transporte, pelas grandes cadeias de hotéis e supermercados.
Alio ao conceito a ideia de que o espaço físico objeto de afeto passa a ser um lugar. O afeto não tem origem no espaço físico, por óbvio, portanto é o indivíduo que transforma espaço físico em lugar.

Se o afeto/atenção pode transformar um espaço físico em lugar, também há a possibilidade de que a lógica do consumo, aos sabores das diretrizes do mercado imobiliário, transforme um lugar em um espaço físico, ou ainda, num não-lugar.

Quando determinadas porções da cidade, sobretudo as periferias – alijadas da presença do Estado -, adquirem a característica de depósito de pessoas (cujo exemplo acabado é o conjunto habitacional imenso e sem vitalidade), pode ser dito que tais indivíduos estão num espaço físico e daí decorre que a realização pessoal se constitui em sair dali, em outras palavras, é a “não-cidade”.

A contraposição da não-cidade é a cidade, onde o Estado está mais visível e atuante, onde há o espetáculo, o prazer, as vitrines e, especialmente, a prosperidade, cujo exemplo acabado é o condomínio de luxo “gueto”, totalmente isolado dos demais, com vida independente.

Entretanto a prosperidade da cidade é mantida pelo trabalho dos ocupantes da não-cidade, e a situação de desprovimento da não-cidade é mantida pela necessidade de prosperidade da cidade, e, por estarem fisicamente próximas, há encontros entre os dois mundos, e, em alguns desses esbarrões, ocorrem delitos, crimes e violência.

De um lado alguns dos ocupantes tentam obter um pouco de prosperidade à força e pelo outro lado há a manutenção da prosperidade, também, à força; uns usam da força física, por vezes com armas, e outros apelam à força do capital, por vezes à força do Estado.

Entendo que a existência de cidade e da não-cidade é uma das grandes causas, se não for a maior, da insegurança pública vivenciada cotidianamente  por ambas.

domingo, 10 de março de 2013

Um dilema de (in)segurança para os espaços urbanos públicos


Passei hoje por uma praça no bairro paulistano da Aclimação, mais precisamente, a Praça General Polidoro. A percepção, da praça e entorno, evoca a tranquilidade/bucolismo das cidades interioranas, pessoas passeando, caminhando, levando cachorros, conversando na calçada.

A praça é pública, mas não é aberta, está cercada de grades, com um portão de entrada. A primeira vista eu pensei que estivesse com o acesso restrito, ao rodeá-la percebi o portão, aberto.

Esta imagem/condição me levou a pensar no dilema de alguns espaços urbanos públicos, sobretudo parques e praças, qual seja, sem grades o local fica sujeito a vandalismos, cometimento de delitos de toda ordem e ponto de venda/consumo de entorpecentes (entra em processo de desertificação e, por óbvio, perde a vitalidade) e o público acaba por não usar o que é “público”. Tem-se aí um contrassenso: Para ser público o território precisa ser/parecer privado...

A aparência de “privado” comunica o cuidado e, sobretudo, que “alguém” está a vigiar, isto em decorrência de que “o que é de todos não é vigiado por ninguém”, ou ainda “terra de ninguém”. Ainda há um certo grau de dificuldade em entender que o que é de todos deve ter o zelo de todos.

Voltando às grades, me parece que o sentido lógico de manter praças públicas e parques em condições de uso, aptos ao “vivenciar”, pressupõe o uso de grades, cuja tradução mais direta se constitui na demarcação de um território – seguro aos usuários e inibidor de delitos (talvez por conta de que as grades são obstáculos à fuga, pós furto/roubo, de delinquentes que tentarem agir dentro do espaço delimitado pelas grades).

Fica a dica do vendedor de água de côco, no Parque da Aclimação: “O prefeito tem que cuidar daqui, o último foi terrível para o local, deixou crescer mato em toda a extensão do parque. Um bom prefeito daria condições para a instalação de muitas barraquinhas de comércio e o parque ficaria muito melhor”.

sábado, 9 de março de 2013

O talião de Paraisópolis



A quem não é de São Paulo/SP, cabe informar que Paraisópolis é o nome de uma favela no bairro do Morumbi (símbolo de bairro luxuoso destinado à classe “A”), ou seja, há um contraste gritante num mesmo espaço físico.

Em 12 de janeiro deste ano, moradores do Bairro Paraisópolis solicitaram o apoio de guarnições policiais-militares por conta de um baile funk – perturbação do sossego e outras coisas que acontecem neste tipo de evento-, segundo eu soube por um morador da região.

Foi informado, pela mídia, em 07 de março, que a Polícia “chegou chegando” e uma das consequências foi uma adolescente sofrer um trauma no olho, perdendo a visão, em decorrência de ter sido atingida, no globo ocular esquerdo, por uma bala de borracha, durante a ação de choque policial-militar (Notícias do site Terra: “SP: disparos da PM deixam adolescente cega em Paraisópolis”). Segundo consta o lapso temporal de 12 de janeiro a 07 de março se deve a ameaças, de policiais aos moradores, no sentido de não divulgarem o que ocorreu.

Hoje – 09/03/13 – há a notícia, constante do link anexado, de que uma Base Comunitária Móvel, da Polícia Militar, foi atingida em duas situações, sendo que numa delas um policial militar foi alvejado.

Em outubro de 2012, durante os atentados contra a vida de policiais militares, uma lista foi encontrada, em Paraisópolis, com ordens de execução de 40 policiais (do jornal O Estado de São Paulo: “PM encontra em Paraisópolis lista de 40 policiais marcados para morrer”).

Estamos em tempos de legitimação, informal, do “BATEU, LEVOU” ???

sexta-feira, 8 de março de 2013

Homem que desrespeitou muitas mulheres foi condenando no dia Internacional da Mulher

Bruno é condenado a 22 anos por morte de Eliza

Me parece significativa a data, para a condenação do goleiro Bruno, pelo fato de que a sentença, segundo minha percepção, é uma declaração:

  • contra o desrespeito em relação ao gênero feminino (em muitas ocasiões - namoradas, noivas, esposas, mães, profissionais do sexo, etc)
  • contra o uso da força física masculina para barrar a força do direito a uma mãe
  • contra o poder do dinheiro/fama que sobrepuja a dignidade da pessoa humana
  • contra a dissimulação “legal”, manifestada nas artimanhas e malandragens de advogados, para obter vantagens para o réu, a “iludir” o corpo de jurados

quarta-feira, 6 de março de 2013

Brasil é o país com mais mortes por arma de fogo

Brasil lidera ranking de mortes por arma de fogo

Destaque do artigo:

Waiselfisz atribui o alto índice de mortes a três 
fatores: a facilidade de acesso às armas de fogo, a
cultura da violência - "muita gente considera normal
resolver na base do tiro os conflitos interpessoais" - e
os elevados níveis de impunidade vigentes.

Locação de caixas eletrônicos em espaços urbanos públicos e o “impacto criminalidade”


Em 2006 registrei uma sugestão, em uma pesquisa, e a repito neste blog. Fiz a proposta de que se desenvolva um estudo, para debate nas cidades e CREA, do critério “IMPACTO CRIMINALIDADE” na expedição dos documentos “Habite-se” e “Alvará de Funcionamento”.

Este critério é calcado no conceito de que toda edificação, em sua fase de projeto, deveria ser submetida à aprovação da Prefeitura Municipal, quanto á morfologia de sua construção, se incentiva ou inibe delitos, e também do conceito de que o Estado, em sua esfera municipal, é responsável pela Segurança Pública. Portanto é uma consequência natural que o Estado, que é responsável pela aprovação do projeto de edificações, ter por obrigação verificar as consequências que a edificação trará, em termos de oportunidades para criminosos agirem.

Destarte a aprovação da instalação de um caixa eletrônico, por exemplo, prescinde de um estudo que aborde a vulnerabilidade do correntista no momento em que estiver usando o equipamento. Há uma facilidade em obter dinheiro sem precisar ir a um caixa numa agência bancária, em qualquer horário e sempre disponível. Esta facilidade pode se transformar numa situação propícia ao crime, em que o cliente do banco pode ser submetido a uma ação de roubo ou ser levado para outros caixas eletrônicos para sacar mais dinheiro.

Um caixa eletrônico instalado em logradouros públicos pode ser um potencializador de crimes na localidade, deve, segundo penso, o Chefe do Policiamento Preventivo Ostensivo da cidade ser consultado sobre a viabilidade de tal instalação, visto os riscos às pessoas que o utilizarem em horários desfavoráveis (à noite ou de pouco movimento).

terça-feira, 5 de março de 2013

Em tempos de ajustar as contas com o “LEÃO” cabe a pergunta: Como está a sua “declaração” do IIP?


Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2012 (Publicação do Forum Brasileiro de Segurança Pública e do Ministério da Justiça) os “Gastos com Segurança Pública e Prisões” no ano de 2011 foram de 51,5 bilhões de reais.

A considerar a matéria da Revista Época (Matéria "O preço do medo", revista número 263 de 2003), que fala em gastos de 104 bilhões (metade público e metade privado), e uma outra reportagem do Jornal Folha de São Paulo ("País tem quase 5 seguranças privados para cada policial), que informa que para cada policial público há 4,9 “policiais privados”, temos uma perspectiva instigante, ou seja, em termos de segurança pública, há, pelo menos, um real privado para cada real público usado para o combate ao crime e à violência. E é possível que os números do Ministério da Justiça estejam subdimensionados, visto que já em 2003 a Revista Época informava este mesmo valor (52 bilhões de reais públicos gastos em Segurança Pública).

Tendo em mente os valores gastos em segurança pública, lembro que, além dos seguranças particulares, o medo e a insegurança suscitam a contratação, direta e indireta, de um enorme contingente, bem como a aquisição de uma gama de equipamentos, voltados à tentativa de garantir tranquilidade e defesa, desde porteiros/vigilantes a concertinas e cercas elétricas.

Os gastos públicos e os gastos privados com segurança pública são impostos à população, os primeiros por serem “impostos” sem possibilidade de fuga da malha fina, principalmente aos que pagam na fonte. Os gastos privados com prevenção e defesa acabam por se impor diante da dificuldade em fugir ao crime e à violência.

Sem a insegurança e o medo a indústria de vigilância privada, eletrônica ou não, não teria a pujança que ostenta, também não haveria a “necessidade” de verdadeiras “fortalezas” a proteger os moradores dos condomínios de luxo.

A lista de serviços e "taxas" pode prosseguir indefinidamente, a citar os automóveis com ar condicionado para possibilitar conforto térmico a quem “precisa” transitar com os vidros fechados nos logradouros públicos, ou ainda o transporte escolar aos alunos que “não podem” caminhar pelas calçadas até o portão dos colégios...

O IIP (Imposto da Insegurança Pública) tem se manifestado, e cobrado seu preço, em múltiplas formas...

Já fez suas contas?

segunda-feira, 4 de março de 2013

Viver na cidade e viver “a” cidade


Há muito tempo que me preocupo, na condição de policial militar e pesquisador de segurança pública, com a transformação de conjuntos habitacionais em problemas policiais.

Conjuntos habitacionais, normalmente, se prestam prover lugar – concentrando – a pessoas sem habitação adequada ou ainda remanejar moradores de assentamentos precários – favelas, acampamentos.

Com o tempo estes conjuntos adquirem características contrárias ao desenvolvimento urbano saudável, ou seja, não é perceptível um planejamento adequado. Parece que há uma concepção geral de que basta que se construam apartamentos/casas maximizando a utilização do espaço, para que um número maior de residências seja disponibilizado. O resultado é que uma boa parte, ao menos dentre os que conheço, em várias cidades, acaba se transformando em guetos fechados sob o controle dos mais fortes, locais desertos à noite, com perturbação do sossego e sem a presença do Estado.

Imagino que os planejadores esquecem que estão a dilatar a cidade fisicamente, mas não “vivencialmente”. Não se trata apenas de alocar pessoas, se trata de desenvolver urbanisticamente a vida destas pessoas, questões básicas precisam de respostas – onde comprar o pão e leite?; onde está a escola de ensino fundamental?; onde está o lazer?; como estão integradas os logradouros, a evitar becos sem saída ?; qual a oferta de trabalho aos novos moradores?; etc...

Neste blog temos discutido o resultado “(in)segurança pública” para um contexto estabelecido. Um ponto importantíssimo na composição do contexto urbano é saber se o cidadão vive na cidade ou se vive a cidade, por isso entendo a questão posta por Raquel Rolnik: “Nosso déficit não é de casas é de cidade”.

Acima ou à margem da lei ?


A reportagem do link aponta ao Estado que se porta como um déspota, se fosse um ente humano, isto é, que se entende “acima da lei”, visto que fiscaliza as condições de prevenção e combate a incêndios em locais de reunião pública, bem como todas as demais edificações, mas que para suas dependências, inclusive as de reunião pública, faz “vistas grossas”.

A percepção de “acima da lei” encontraria amparo se a Administração Pública estivesse imune às consequências de suas irregularidades ou mesmo se estivesse isenta, legalmente, do cumprimento de normas legais – duas suposições não encontráveis no Estado de Direito.

Todavia há uma outra possibilidade de visualizar quem não cumpre os ditames legais, que deveriam reger a vida de todos, indistintamente. A “verticalizadora” que propõe enxergar o Estado pairando sobre todos. Entretanto uma visão “horizontal” permite perceber a Administração Pública no mesmo nível de direitos e obrigações que qualquer outra pessoa, e, portanto, quando descumpre a lei, esta se coloca, não acima, mas à margem do ordenamento legal...

Em outras palavras, ao perceber que o Estado não está – pelo menos não deveria estar - imune às consequências do descumprimento da norma legal, é perfeitamente possível vislumbrá-lo não como um ente superior, mas sim como um “marginal”, ou seja, na mesma categoria que qualquer outra pessoa que comete delitos...

A questão que proponho para reflexão é a seguinte: Este comportamento, da parte do Estado, incentiva a cidadã e o cidadão a cumprirem a lei ?

sábado, 2 de março de 2013

sexta-feira, 1 de março de 2013

Intolerância gerando violência e separando pessoas de pessoas

Muito importante, e oportuna, a reflexão, do link abaixo, sobre o que simboliza um estádio de futebol "quase" vazio.

Um vazio que vai muito além do futebol

Destaque-se a constatação, pelo articulista, do valor atribuído ao consumo, isto é, o consumo, conforme entendeu a Justiça e os quatro torcedores/consumidores, sobrepoe-se ao luto pela morte de um adolescente.