Nos dois parágrafos abaixo (das páginas 228 e 229 do livro "1808", de Laurentino Gomes) há uma demonstração histórica de que contexto e segurança pública estão intimamente ligados, sendo esta a consequência daquele. Reparem que no primeiro parágrafo é exposta a situação caótica em que se encontrava a cidade do Rio de Janeiro (por conta do crescimento desordenado e de muitas questões sociais não resolvidas). O segundo parágrafo traz a notícia de que alguém foi escolhido para solucionar o problema (combater a violência e o crime). A solução, conforme narra o autor, está além de simplesmente patrulhar a cidade, ou seja, mais uma vez fica clara a tese de que insegurança não se resolve unicamente com a presença policial nas ruas, é necessário muito mais que isso, precisamos de agentes civilizadores, como segue:
A criminalidade atingiu índices altíssimos [à época em a Corte Portuguesa esteve instalada no Rio de Janeiro]. Roubos e assassinatos aconteciam a todo momento. No porto, navios eram alvos de pirataria. Gangues de arruaceiros percorriam as ruas atacando as pessoas a golpes de faca e estilete. Oficialmente proibidos, a prostituição e o jogo eram praticados à luz do dia. “Nesta cidade e seus subúrbios, temos sido muito insultados pelos ladrões”, relata o arquivista real Luiz Joaquim dos Santos Marrocos numa das cartas ao pai, que ficara em Lisboa. “Em cinco dias, contaram-se em pequeno circuito 22 assassinatos, e numa noite defronte à minha porta fez um ladrão duas mortes e feriu um terceiro gravemente.”2 Marrocos reclamava que havia negros e pobres em demasia nas ruas do Rio de Janeiro e que a maioria se vestia de forma indecorosa.
A tarefa de colocar alguma ordem no caos foi confiada por D. João ao advogado Paulo Fernandes Viana. Desembargador e ouvidor da corte, nascido no Rio de Janeiro e formado pela Universidade de Coimbra, Viana foi nomeado intendente geral da polícia pelo alvará de 10 de maio de 1808, cargo que ocupou até 1821, o ano de sua morte. Tinha funções equivalentes ao que seria hoje a soma de um prefeito com um secretário de Segurança Pública. Mais do que isso, era “um agente civilizador” dos costumes no Rio de Janeiro. Cabia a ele transformar a vila colonial, provinciana, inculta, suja e perigosa em algo mais parecido com uma capital européia, digna de sediar a monarquia portuguesa. Sua missão incluía aterrar pântanos, organizar o abastecimento de água e comida e a coleta de lixo e esgoto, calçar e iluminar as ruas usando lampiões a óleo de baleia, construir estradas, pontes, aquedutos, fontes, passeios e praças públicas. Ficou também sob sua responsabilidade policiar as ruas, expedir passaportes, vigiar os estrangeiros, fiscalizar as condições sanitárias dos depósitos de escravos e providenciar moradia para os novos habitantes que a cidade recebeu com a chegada da corte.