quarta-feira, 10 de julho de 2013

A insegurança urbana está indexada a questões sociais (texto de Jane Jacobs - Morte e vida de grandes cidades)

O principal atributo de um distrito urbano próspero é que as pessoas se sintam seguras e protegidas na rua em meio a tantos desconhecidos. Não devem se sentir ameaçadas por eles de antemão. O distrito que falha neste aspecto também fracassa em outros e passa a criar para si mesmo, e para a cidade como um todo, um monte de problemas.

A barbárie hoje tomou conta de várias ruas, ou as pessoas sentem desta maneira, o que dá no mesmo. “Eu moro num bairro residencial maravilhoso, tranquilo”, me diz um amigo que está procurando outro local para morar. “O único barulho desagradável durante a noite, de vez me quando, são os gritos de alguém sendo assaltado.” Não é preciso haver muitos casos de violência numa rua ou num distrito para que as pessoas temam as ruas. E, quando temem as ruas, as pessoas as usam menos, o que torna as ruas ainda mais inseguras.

Para se sentirem seguras, algumas pessoas criam fantasmas na cabeça e nunca se sentirão seguras independentemente das circunstâncias reais. Mas esta é uma questão diferente do medo que persegue as pessoas normalmente prudentes, tolerantes e alegres, que demonstram nada mais do que o bom-senso de evitar, depois de escurecer – ou, certos lugares, de dia -, ruas onde possam ser assaltadas, sem que ninguém as veja ou socorra.

A violência e a insegurança real, não a imaginária, que desencadeiam tais medos não podem ser rotuladas como um problema característico dos cortiços. O problema é mais sério, na verdade, em “bairros residenciais tranquilos” que parecem distintos, como aquele que meu amigo estava deixando.

Não pode ser rotulado como um problema das áreas mais antigas das cidades. O problema atinge dimensões alarmantes em certas áreas da cidade que foram reurbanizadas, incluindo supostamente os melhores exemplos de reurbanização, como os conjuntos habitacionais de renda média. O chefe do distrito policial de um empreendimento deste tipo, elogiado em todo o país (pelos urbanistas e pelos financiadores) não só censurou recentemente alguns moradores por ficarem fora de casa depois do anoitecer, como também recomendou que nunca abrissem a porta para desconhecidos.

A vida neste caso tem muito em comum com a dos três porquinhos e a dos sete anões das histórias infantis. O problema da insegurança nas ruas e na porta de casa é tão sério em cidades que empreenderam iniciativas de revitalização conscientes quanto naquelas que ficaram para trás. E também não resolve nada atribuir a grupos minoritários, aos pobres ou aos marginalizados a responsabilidade pelos perigos urbanos.

Há variações enormes no nível de civilidade e de segurança entre tai grupos e entre as zonas urbanas onde eles vivem. Algumas das ruas mais seguras de Nova York, por exemplo, a qualquer hora do dia ou da noite, são as habitadas pelos pobres e pelas minorias. E algumas das mais perigosas são aquelas ocupadas pelos mesmos tipos de pessoas. O mesmo pode ser dito de outras cidades.


Há males sociais profundos e complexos por trás da delinquência e da criminalidade, tanto nos subúrbios e nas cidades de pequeno porte quanto nas metrópoles.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Segurança Pública à luz de reflexões de Henri Lefebvre sobre o direito à cidade



Viver/habitar em uma cidade não significa o mesmo que viver/habitar “a” cidade. Ter como seu habitat uma cidade litorânea sem tempo de frequentar a praia é o mesmo que morar em qualquer outra localidade, especialmente quando o trajeto cotidiano limite-se a deslocar-se ao trabalho e voltar, ao final do expediente.

Os espaços nos assentamentos urbanos deixam, historicamente, de servir ao uso e passam a servir à troca, ou melhor, o bom espaço urbano é assim caracterizado por aspectos econômicos e não, em primeira mão, pelo prazer de estar/contemplar/olhar/viver.

A lógica do mercado imobiliário indica que não importa morar bem no sentido de usufruir o local, importa sim usufruir lucros “do” local. Um condomínio com área de lazer diversificada e ampla é excelente para o cartaz de vendas, mas não significa que será frequentada pelos moradores... Uma bela vista é prazerosa, mas será mesmo bela/boa se o seu valor monetário for “compensador”, ou seja, se for garantia de um investimento rentável.

Conforme o mesmo mecanismo verificado nos locais sujeitos, diretamente, à especulação imobiliária, os espaços urbanos públicos adotam, indiretamente, a sistemática do valor de troca (aspecto econômico) em detrimento do valor de uso (viver a cidade).

Os espaços urbanos públicos com maior “atenção” (mais investimentos e projetos urbanísticos) do Estado são os que, potencialmente, se traduzirão em maior lucratividade, o que é, no mínimo, estranho, se é urbano público, ou então não é urbano público... O que se nota quando a “centralidade” é melhor cuidada que a periferia, o que subtrai o habitar do habitat periferia.

Esta lógica para a utilização dos espaços urbanos parece indicar que TUDO é “precificável” (passível de atribuição de valor de troca). Entretanto o valor só é adotado como real/verdadeiro quando há a cancela do mercado imobiliário, desta forma a partilha da geografia urbana é realizada a partir dos “pedaços” mais caros, e, portanto, melhores, a quem pode pagar por eles...

Parece que, em termos de realidade urbana, o melhor é acessível aos mais ricos e a estes, verdadeiramente, assiste o direito à cidade. 

Pela prática de que o melhor está reservado aos mais abastados pavimenta-se o caminho para o “embate” entre os que TEM e os que QUEREM TER; leia-se violência, saque, ações delituosas em lugar de “embate”.

O direito à cidade amplo, geral e irrestrito na distribuição/fruição (reforma urbana) dos espaços citadinos, especialmente os públicos, também é fator de combate ao crime e à violência. Visto que há violência ao transpor um muro para furtar bens alheios e também há violência em estabelecer barreiras impeditivas em espaços urbanos públicos.