segunda-feira, 26 de maio de 2014

Tempos modernos...

Os fatos a seguir narrados são verídicos, contados a mim por quem os vivenciou.

Dia de prova na “facú”, como de praxe todos guardam os materiais sob as carteiras e a professora reza as regras do evento (sem consulta às provas dos colegas, sem conversa, respostas a tinta, tempo de prova, etc), até aí tudo normal, dentro das expectativas.

Após o início da prova chega uma aluna, portanto atrasada para o compromisso. A professora, benevolente, autoriza a entrada da aluna.

Em dado momento, próximo ao final, a professora, vendo que a aluna tinha feito a prova inteira “a lápis”, avisa que o tempo está acabando e que é bom a aluna se apressar. A resposta da aluna é de que está acabando e que está tudo bem. Ao saber que as respostas devem ser escritas à tinta a aluna revoltou-se. Ao ser notificada que as instruções foram comunicadas antes do início da prova disse:
- Eu cheguei após o seu comunicado, portanto, esta regra não se aplica a mim!

 O que me instiga, neste episódio, não é pontuar se a aluna acredita mesmo no que disse ou se usou o raciocínio apenas na ocasião em que lhe foi útil. O destaque da situação é a forma rápida, irresponsável, destituída de valores e desavergonhada com que se pretende esquivar às obrigações, aos compromissos.


A aluna, e suas razões, não representa uma parcela diminuta da sociedade, a meu ver. Parece-me que o Brasil se amoldou, rapidamente, a este tipo de argumentação, em que a malandragem é válida, e aceitável, se propiciar vantagem.

Ao que o comportamento rotineiro nos indica, o que vale mesmo, o valor absoluto, é “se dar bem”, não interessa qual regra tiver que ser quebrada/atropelada, desde que o resultado seja, ainda que momentaneamente, vantajoso.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A justiça "cinco minutos"

O título remete a uma expressão popular para designar um súbito arrebatamento – normalmente em situações de ira intensa ou revolta – seguido de uma vontade incontida de fazer alguma coisa urgentemente, ou seja, os famosos “cinco minutos”.

O nome já demonstra que além de ser algo repentino, nas motivações iniciais, também o é em sua duração, faz-se tudo em “cinco minutos”.

A pessoa fica observando algo em bagunça e confusão e, de repente, “dá os cinco minutos” e então limpa e arruma tudo. Ou então guarda-se rancor de alguém, ou alguma coisa, e, de repetente, “dá os cinco minutos” e fala-se tudo que vêm à mente, tudo que foi represado durante muito tempo, tudo em “cinco minutos”.

Normalmente os “cinco minutos” produzem resultados desastrosos, para o arrependimento dos autores. Diz o pai de um grande amigo que nenhum “cinco minutos” produz bons frutos, sempre trapalhadas com péssimas consequências.

Ocorre que os tais “cinco minutos”, segundo indicam as recentes notícias, assumiu o posto de juiz absoluto em situações de grande comoção social. Parece que há uma segura transição do sistema oficial de justiça para o Sistema Popular de Justiçamento, se não vejamos:

Trata-se de um talião açodado, em vez do “olho por olho e dente por dente” o ladrão teria sido entregue à Justiça, a bruxa se “transformaria” numa inocente mulher que ofereceu uma fruta a uma criança após “cinco minutos” de verificação, os moradores do Jardim C teriam solicitado a Polícia...

Possivelmente os autores das barbaridades elencarão motivos para suas condutas repentinas, até mesmo com algum grau de nexo causal, entretanto o fenômeno aponta um contexto mais amplo de descivilação, de embrutecimento geral, o que leva, possivelmente, a um mundo de anomia, cujas regras são ditadas por grupos, sob normas de conduta próprias, e questionáveis.

Preocupa-me observar que o que ser pretende com a justiça dos “cinco minutos” não se assemelha à Justiça, senão ao extravasamento coletivo da ira, de algum tipo de vingança. Não me parece que há intenção de dar suporte à humanização e à ética, somente à vingança por algo ruim que, in tese, alguém teria cometido.


Não se trata de julgar válida a tese de que o encadeamento de situações/fatos revoltantes justifique tais barbáries, apenas constatar que, a passos largos, a justiça dos “cinco minutos” estabelece-se neste país.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Visão sistêmica

Visão sistêmica é a capacidade de identificar as ligações de fatos particulares do sistema como um todo (internet).

Um olhar abrangente sobre o contexto amplo, que produz sensação de (in)segurança pública, tornou-se o ponto de partida para a criação deste Blog. Ao estudar Segurança Pública, de há muito, entendo que não há algo que possa ser chamado, independentemente, de Segurança Pública, o que há é um contexto que se resume a medo ou tranquilidade. Daí decorre que SEGURANÇA PÚBLICA É O RESULTADO DE UM CONTEXTO, SEJA ESTE HOSTIL OU ACOLHEDOR.

Não existe um serviço/atividade/condição que se traduza em maior/menor tranquilidade ao cidadão, a união de todos os serviços/atividades/condições vivenciados pelos indivíduos é que forma a ideia de medo ou tranquilidade pública. Uma questão, como os elos de uma corrente, interfere de forma relevante em todas as outras. Se apenas numa casa, em uma grande avenida, houver condições favoráveis para a proliferação do mosquito da dengue, todas as pessoas da região estarão sujeitas a contrair a doença.



Transporte público, saúde pública, educação pública, etc, geram, por efeito das gestões públicas, condições de (in)segurança pública, ou seja, não é simples questão de efetivo policial nas ruas e viaturas de patrulhamento, o problema se alastra com raízes múltiplas e profundas.

Até pouco tempo via-se como normal/corriqueiro/aceitável pedir permissão aos traficantes do Rio de Janeiro” para subir os morros, lembro das negociações (anunciadas pela imprensa) para que o cantor norte-americano Michael Jackson pudesse gravar um clipe musical, em 1996.

No dia anterior à gravação, outra notícia irritou ainda mais os governantes cariocas. Segundo os principais jornais da cidade, Spike Lee teria realmente pago uma quantia não revelada ao tráfico para ter sua segurança garantida na favela (internet).

Quando o Ministro Gilmar Mendes fala sobre “apagão de gestão” no Brasil, ele, necessariamente, teria que desaguar suas considerações em questões ligadas à Segurança Pública, visto que TUDO, EM ABSOLUTO, QUE MEXE COM A VIDA DE PESSOAS GERA CONDIÇÕES DE (IN)SEGURANÇA PÚBLICA. QUANDO ESSE “TUDO” SE REFERE À RES PUBLICA AS CONSEQUÊNCIAS AGIGANTAM-SE.

domingo, 4 de maio de 2014

Quando o crime compensa...

As “feiras do rolo” ocorrem em várias cidades brasileiras. Talvez com nomes diferentes, mas com objetivos e operacionalização idênticas.

Trata-se de um evento da economia informal onde pessoas buscam produtos com preços menores que os praticados nas lojas convencionais. Normalmente são bens usados cujos proprietários, por necessidade de dinheiro ou pelo desuso, oferecem à venda ou mesmo ao escambo.

Uma situação tradicional, cultural e inofensiva não fosse pela questão de que nem sempre os proprietários são proprietários, em outras palavras, delinquentes também vendem/trocam “seus” objetos.

Devido ao aspecto rudimentar das “feiras do rolo” (sem notas fiscais, sem comprovação de propriedade), inclusive pelo baixo valor das vendas/trocas, encontram-se expostos, nas banquinhas improvisadas, vários produtos “suspeitos” (telefones celulares, relógios, etc).

A venda de produtos furtados/roubados “fecha” o ciclo do crime, em vista de que a compensação pela atividade ilegal é a transformação do roubo/furto em dinheiro, a estabelecer o benefício auferido pela subtração de bens alheios.

À moda das feiras do rolo, no Centro de São Paulo, há os camelôs com seus produtos importados a preços muito inferiores aos praticados pelas lojas. Há um conjunto de indicativos sobre a "procedência" dos itens à venda:
  • as bancas improvisadas (caixas de papelão);
  • o preço, até um décimo do valor normal;
  • o aspecto dos objetos;
  • a negociação apenas em dinheiro "vivo".





O crime tem compensado por, pelo menos, dois motivos: não há quem fiscalize – a contento – as atividades comerciais informais e, por outro lado, há quem veja como vantagem comprar mais barato.

Nenhum dos motivos citados é, in tese, assunto de Polícia...

A expectativa do crime e da violência são tão perniciosos quanto o crime

A prática criminal, ou a ameaça real, é bastante impactante, por óbvio, às vítimas, uma experiência profundamente traumática. Entretanto há uma questão relevante que normalmente é tratada como de menor importância: O MEDO DO CRIME.

O “medo do crime” é uma sensação bastante referida nos dias atuais. Ele reflete uma angústia individual, algumas vezes expandida à comunidade como um todo, diante do fenômeno de uma criminalidade rampante, aparentemente fora do controle, e do estado coletivo de insegurança que dele pode passar a decorrer (DANTAS, G.F.L.; PERSIJN, A.; SILVA JUNIOR, A.P. O medo do crime. 2006. Pág. 2). 
O tema do “medo do crime”, portanto, merece especial atenção por seu potencial de alterar a qualidade de vida dos indivíduos e das comunidades. Um melhor entendimento do “medo do crime” pode permitir maior controle da insegurança pública (Idem. Pág. 20).


Meu interesse no "medo do crime" emerge a partir do que observo quanto às formas de "tranquilização", desde grades nas janelas até a contratação de empresas especializadas em segurança.

Há muito dinheiro gasto (público e privado) para amenizar o medo do crime, entretanto, ao que tudo indica, a angústia pela expectativa de ser a próxima vítima de crime/violência ainda não está devidamente "medicada"...