As percepções
que se tem do espaço intra-urbano, das pessoas e das coisas está cada vez mais
destacada, no sentido de apartada da realidade. A visão sistêmica do ambiente, sobretudo da cidade, tende à inexistência.
Por isso as opiniões sobre as cidades serem tão díspares, talvez em razão de
que os comentários se componham pelo olhar particular de quem fala sobre “sua”
cidade.
O
termo “sua cidade”, há tempos, traduzia-se em razão de uma questão geográfica,
isto é, onde determinada pessoa
nascera ou vivia. O onde abarcava o
todo da localidade, a cidade toda, sem dúvida com as peculiaridades e
significações sociais, culturais e políticas de cada “pedaço” da cidade mas,
ainda assim, exprimia a ideia do todo.
A globalização
e a tecnologia comunicam a ideia de amplidão, de que tudo está ao alcance das mãos, mais especificamente, da palma da mão, por via de um
aparelho eletrônico.
Ocorre
que, por absoluta impossibilidade de realização física, o espaço cibernético
global, não está muito além da palma da mão, que o digam os milhares de
internautas que twitan, facebucam, googulham o dia todo, freneticamente em seus
dedos e olhos, mas parados; a rir, viajar, conversar, etc..., todavia no seu metro quadrado, destacados da multidão, conectados
digitalmente (mentalmente, talvez), porém isolados fisicamente. Mesmo que os
internautas estejam prensados no transporte urbano seus olhos passam pela
janela da tela para o mundo, e, da janela, vivenciam tudo, observando sem odor,
sem calor do sol, sem gosto...
A questão
que toca mais de perto a (in)segurança pública é que este vivenciar destacado é
mais que tecnológico, é cultural, ou seja, o comportamento e as significações
também são destacados. Percebe-se o mundo pela janela do carro, com direito a uma
cobertura a torná-la menos transparente, ou melhor, menos “conectada” com o ambiente
exterior.
A percepção
do outro se dá por uma janela também (televisão, computador, etc). O que ocorre
com o outro se dá do lado de fora da janela, não há gosto, não há cheiro, não
há tangibilidade para o que está a ocorrer com o outro, passa-se a um ponto em
que o outro não importa, não existe... E essa é a grande violência, talvez a
maior no mundo contemporâneo, morrem milhares e milhares de pessoas todos os
dias, condenadas a inexistir por não passarem pelas janelas, sendo assim, o
contingente de invisíveis está a crescer.
A violência
que se segue é a expectante, visto que ainda que pessoas passem pelas janelas, tal
condição continua a impedir a “existência física” (continua do outro lado da
janela), destarte é possível acompanhar um tiroteio sem risco de balas perdidas,
ou ainda roubos com violência pelo sistema de videomonitorização. Possibilitado
está acompanhar qualquer tipo de tragédia sem sair de casa.
A contemporaneidade
trouxe um novo tipo de voyeur, o observador da violência, a observar tudo do
lado de dentro, sob a percepção de proteção, praticamente destacado do mundo
real, visto que o mundo real está lá fora e o observador aqui dentro,
pretensamente o “aqui” é longe do “lá fora”, entretanto a realidade diz que este “aqui” é
imaginário e o “lá fora”, além de mais próximo do que se imagina, é hostil e
inseguro.
A tradução
mais fria da diferença entre o “aqui” e o “lá fora” são as estatísticas
criminais, visto que o números são representantes de quem está “lá fora”,
pessoas que são vistas de dentro do “aqui”...
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