Hoje eu fui visitar um abrigo para mulheres vitimadas pela
violência. Não digo “foram vitimadas” porque continuam à mercê da crueldade, do
desprezo e do exílio social (inclusive o endereço do abrigo é sigiloso).
Cheguei como engenheiro civil, com o proprietário do edifício, e o primeiro
impacto foi me identificar, ao portão, e perceber o cuidado do porteiro e da
responsável pelo abrigo em não me deixar entrar antes de se certificarem sobre
quem estava à porta, sendo que foi recomendado para eu não voltar sem prévio
contato.
O segundo impacto foi o preparo para minha entrada no local,
todas as crianças e mulheres foram “escondidas” num dos aposentos, entendi
perfeitamente a preocupação e concordo que seja assim, afinal, mesmo
identificado, eu poderia estar a serviço de um dos maridos violentos.
Fiz minha vistoria na edificação, conferi as plantas,
conversei um pouco com as funcionárias (sempre com fins profissionais) e saí;
agora devo preparar a documentação para regularização junto aos órgãos responsáveis.
Fiquei imaginando as histórias das pessoas confinadas no
abrigo e, no papel de engenheiro civil, eu apenas fiquei imaginando, não tive
contato com histórias, nem com as vítimas, somente com teto, paredes, papéis e
funcionários.
Há um tempo fiz uma visita a um abrigo numa outra cidade,
com uma grande diferença quanto à função que desempenhava, fui como policial
militar. Nesta condição tive contato com pessoas, fiquei a par das histórias,
inclusive estive no local por conta de uma dessas histórias. A empatia e a responsabilidade
pelo bem estar dos abrigados é muito maior, infinitamente maior, num policial
militar que num engenheiro civil (não digo com isso que o engenheiro seja insensível, mas cumpre outro papel social). O engenheiro sai do local e volta a seus
afazeres diários e quando acabar o trabalho não precisa mais voltar, todavia o
policial militar não mais sairá do local, ele sabe que há pessoas em perigo e sente
o dever de prover tranquilidade, tanto quanto seja possível, àqueles seres
humanos.
O título do texto se deve a que me senti vitimado pela violência
na pele de policial militar de forma muito mais impactante que na função de engenheiro
civil. Como policial militar eu nunca mais me esqueci do que vi e, sobretudo,
do que ouvi naquele abrigo, principalmente em vista de que o policial militar
não “desliga” de sua função de servir e proteger, desde o patrulheiro mais
novato até o comandante de batalhão, ou seja, a cada nova ocorrência atendida
há lembranças de outras solicitações, de outros problemas, de outras pessoas em
apuros. Não é nada fácil ser policial militar.
Entendo perfeitamente seu ponto de vista.
ResponderExcluirO PM tem experiências que nunca mais vão ser apagadas de sua memória.
Como é difícil "desligar" ao chegar em casa!
Se é que dá pra desligar... Particularmente posso te dizer que não dá, talvez com a aposentadoria.
ResponderExcluirExcelente texto, retrata muito bem o comprometimento do Policial Militar com a segurança das pessoas. Digo-lhe, sete anos passados na reserva, que não dá prá desligar.
ResponderExcluirA oportunidade foi excelente, encarar praticamente a mesma situação, num ambiente muito parecido (e em funções completamente distintas), foi muito bom para eu me dar conta de algo que não tinha percebido com nitidez, isto é, nossa entrega é bem maior do que poderíamos prever.
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