segunda-feira, 8 de julho de 2013

Segurança Pública à luz de reflexões de Henri Lefebvre sobre o direito à cidade



Viver/habitar em uma cidade não significa o mesmo que viver/habitar “a” cidade. Ter como seu habitat uma cidade litorânea sem tempo de frequentar a praia é o mesmo que morar em qualquer outra localidade, especialmente quando o trajeto cotidiano limite-se a deslocar-se ao trabalho e voltar, ao final do expediente.

Os espaços nos assentamentos urbanos deixam, historicamente, de servir ao uso e passam a servir à troca, ou melhor, o bom espaço urbano é assim caracterizado por aspectos econômicos e não, em primeira mão, pelo prazer de estar/contemplar/olhar/viver.

A lógica do mercado imobiliário indica que não importa morar bem no sentido de usufruir o local, importa sim usufruir lucros “do” local. Um condomínio com área de lazer diversificada e ampla é excelente para o cartaz de vendas, mas não significa que será frequentada pelos moradores... Uma bela vista é prazerosa, mas será mesmo bela/boa se o seu valor monetário for “compensador”, ou seja, se for garantia de um investimento rentável.

Conforme o mesmo mecanismo verificado nos locais sujeitos, diretamente, à especulação imobiliária, os espaços urbanos públicos adotam, indiretamente, a sistemática do valor de troca (aspecto econômico) em detrimento do valor de uso (viver a cidade).

Os espaços urbanos públicos com maior “atenção” (mais investimentos e projetos urbanísticos) do Estado são os que, potencialmente, se traduzirão em maior lucratividade, o que é, no mínimo, estranho, se é urbano público, ou então não é urbano público... O que se nota quando a “centralidade” é melhor cuidada que a periferia, o que subtrai o habitar do habitat periferia.

Esta lógica para a utilização dos espaços urbanos parece indicar que TUDO é “precificável” (passível de atribuição de valor de troca). Entretanto o valor só é adotado como real/verdadeiro quando há a cancela do mercado imobiliário, desta forma a partilha da geografia urbana é realizada a partir dos “pedaços” mais caros, e, portanto, melhores, a quem pode pagar por eles...

Parece que, em termos de realidade urbana, o melhor é acessível aos mais ricos e a estes, verdadeiramente, assiste o direito à cidade. 

Pela prática de que o melhor está reservado aos mais abastados pavimenta-se o caminho para o “embate” entre os que TEM e os que QUEREM TER; leia-se violência, saque, ações delituosas em lugar de “embate”.

O direito à cidade amplo, geral e irrestrito na distribuição/fruição (reforma urbana) dos espaços citadinos, especialmente os públicos, também é fator de combate ao crime e à violência. Visto que há violência ao transpor um muro para furtar bens alheios e também há violência em estabelecer barreiras impeditivas em espaços urbanos públicos.

2 comentários:

  1. Concordo, em parte, com o texto. Concordo quando o autor diz que tudo é "precificável" e, conforme o valor, a cidade é melhor. Não é pela vista, nem pelo que existe, e sim pelo valor de mercado que aqueles "pedaços" de chão podem obter.
    Porém, discordo do autor ao dizer que isto irá pavimentar o caminho para o embate entre os "que tem" e os "que não tem". Digo isto porque vi muito investimento público em áreas humildes, como quadra de esportes, praças, pistas de skates, etc, serem depredadas pela população local. Os muros são pixados; torneiras, telas, aros de basquete, traves de futsal são logo furtadas e vendidas no ferro velho... Enfim, os imóveis que, em tese, poderiam ser valorizados comercialmente são deesvalorizados assim que é inagurado qualquer espaço - não duram 3 dias. E isso é feito pelos próprios "que não tem". Por que?
    Portanto, é simplista a análise de que as pessoas da periferia não têm acesso a espaço públicos mais bonitos, mais agradáveis. E sinceramente, comparar pular o muro de uma casa para furtar com "barreiras impeditivas" para desfrutar espaço urbano, pura e simplesmente, é uma tola conclusão, mesmo porque não se diz que "barreira impeditiva" é essa - ademais, não vi até hoje, alguém que tenha pulado o muro de uma residência para "desfrutar" e ficar olhando um lindo jardim que existe na casa de um particular...
    Acredito, sobretudo, que é a cultura propagada pelos meios de comunicação de massa, que estimula a violência (em todas as formas, a revolta (mesmo sem causa), a glamourização de "psico culturas", que, em nome da democracia e diversidade cultural é estimulada. Se falarmos de canções cuja letra estimula a "matar os pulícia é nossa meta" é moderno e cultural... mas se falarmos sobre a beleza da obra de Michelangelo, Caravaggio, oh não, é "imposição" de uma cultura burguesa e imperialista, blá, blá, blá...
    Agora aguentem, mudaram a cabeça do povo e estimularam a achar bonito e belo muitas coisas que não tem valor nenhum.
    Necessário é mudar a cabeça do povo para, quem sabe, mudarmos o país.
    Recomendo a leitura do caso do projeto habitacional Pruitt-Igoe que demonstra bem que o adensamento de pessoas traz conflitos e não é a existência de praçinhas bonitinhas nos subúrbios que vai retirar a violência da população. Veja em http://es.wikipedia.org/wiki/Pruitt-Igoe
    Um forte abraço!

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  2. Prezado Giotto,
    a discordância é muito benvinda, em razão de que pontos de vista divergentes aprofundam a reflexão, ainda que fosse meramente para fazer prevalecer, por força de argumentação, o que se sustenta como correto.

    Quanto à questão de comparar o furto/roubo após vencer um obstáculo e o estabelecimento, em si, deste obstáculo como atos de violência, lembro que a cidade é urbanizada, em primeira mão, com dinheiro público e é surrupiada quando um empreendimento imobiliário, do tipo condomínio fechado, interrompe fisicamente logradouros (antes públicos) e se apropria da rede pública de saneamento básico, da rede pública de fornecimento de energia elétrica, de telefonia, etc.
    No caso do condomínio fechado a violência (segregação espacial) é melhor aceita, menos reprovável que o furto...

    Quanto às praças destaco que a falta de vitalidade do espaço urbano público é fator de violência também. Note bem que me refiro à vitalidade urbana (diversidade de atividades no espaço urbano público - econômicas, de lazer, convivência, etc) como um fator e não como a solução em si.

    Minha intenção, com o texto, não é concluir ou mesmo estabelecer soluções, mas sim apontar caminhos, que julgo oportunos e adequados, à coexistência pacífica nos espaços urbanos públicos, sobretudo por meu entendimento de que a Segurança Pública é um objetivo permanente do Estado, nunca haverá um momento histórico em que tudo estará resolvido, sempre haverá algo a conservar, consertar e propor.

    De qualquer forma, esteja certo de que seus comentários são instigantes e auxiliam na construção de conhecimento e exposição de reflexões, obrigado !

    Forte abraço !

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