domingo, 19 de agosto de 2012

Uma dica de D. João VI sobre segurança pública

Nos dois parágrafos abaixo (das páginas 228 e 229 do livro "1808", de Laurentino Gomes) há uma demonstração histórica de que contexto e segurança pública estão intimamente ligados, sendo esta a consequência daquele. Reparem que no primeiro parágrafo é exposta a situação caótica em que se encontrava a cidade do Rio de Janeiro (por conta do crescimento desordenado e de muitas questões sociais não resolvidas). O segundo parágrafo traz a notícia de que alguém foi escolhido para solucionar o problema (combater a violência e o crime). A solução, conforme narra o autor, está além de simplesmente patrulhar a cidade, ou seja, mais uma vez fica clara a tese de que insegurança não se resolve unicamente com a presença policial nas ruas, é necessário muito mais que isso, precisamos de agentes civilizadores, como segue:

A criminalidade atingiu índices altíssimos [à época em a Corte Portuguesa esteve instalada no Rio de Janeiro]. Roubos e assassinatos aconteciam a todo momento. No porto, navios eram alvos de pirataria. Gangues de arruaceiros percorriam as ruas atacando as pessoas a golpes de faca e estilete. Oficialmente proibidos, a prostituição e o jogo eram praticados à luz do dia. “Nesta cidade e seus subúrbios, temos sido muito insultados pelos ladrões”, relata o arquivista real Luiz Joaquim dos Santos Marrocos numa das cartas ao pai, que ficara em Lisboa. “Em cinco dias, contaram-se em pequeno circuito 22 assassinatos, e numa noite defronte à minha porta fez um ladrão duas mortes e feriu um terceiro gravemente.”2 Marrocos reclamava que havia negros e pobres em demasia nas ruas do Rio de Janeiro e que a maioria se vestia de forma indecorosa.


A tarefa de colocar alguma ordem no caos foi confiada por D. João ao advogado Paulo Fernandes Viana. Desembargador e ouvidor da corte, nascido no Rio de Janeiro e formado pela Universidade de Coimbra, Viana foi nomeado intendente geral da polícia pelo alvará de 10 de maio de 1808, cargo que ocupou até 1821, o ano de sua morte. Tinha funções equivalentes ao que seria hoje a soma de um prefeito com um secretário de Segurança Pública. Mais do que isso, era “um agente civilizador” dos costumes no Rio de Janeiro. Cabia a ele transformar a vila colonial, provinciana, inculta, suja e perigosa em algo mais parecido com uma capital européia, digna de sediar a monarquia portuguesa. Sua missão incluía aterrar pântanos, organizar o abastecimento de água e comida e a coleta de lixo e esgoto, calçar e iluminar as ruas usando lampiões a óleo de baleia, construir estradas, pontes, aquedutos, fontes, passeios e praças públicas. Ficou também sob sua responsabilidade policiar as ruas, expedir passaportes, vigiar os estrangeiros, fiscalizar as condições sanitárias dos depósitos de escravos e providenciar moradia para os novos habitantes que a cidade recebeu com a chegada da corte.

4 comentários:

  1. O economista e filósofo Eduardo Giannetti afirmou recentemente que o governo tem obtido sucesso nas políticas econômicas, mas, não oferece suporte ao crescimento econômico das pessoas.
    Acaa se formando um quadro curioso de discriminação social no Brasil: as pessoas da elite financeira e econômica se sentem diferentes do resto da sociedade e não querem ter seus privilégios ameaçados. Por outro lado, o País tem uma inconsistência estrutural em diversos campos: nos transportes, na moradia, na educação.
    Exemplo: A nova classe média tem uma demanda, legítima e até natural, por automóveis, um símbolo de autonomia e status. Mas temos infraestrutura para acompanhar uma agressiva expansão da frota?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Parece que a riqueza está melhor distribuída no Brasil contemporâneo, mas, paradoxalmente, essa riqueza não está acompanhada de qualidade de vida, o que acaba interferindo na "sensação de segurança" do cidadão. O dinheiro a mais que entra é sugado pelo crime, diretamente quando o bandido o leva (furtando ou roubando) e indiretamente quando nos asseguramos, com meios e equipamentos, para que não vá diretamente.

      Excluir
  2. A carência que a localidade se encontrava é a mesma dos atuais grandes centros, os quais, durante as construções proporcionaram migrações enormes e, findos os trabalhos, restaram abandonadas várias famílias sem qualquer infraestrutura.
    Isto por quê? Não se criou outros atrativos que as levassem e, em permanecendo, mesmo com dinheiro, não conseguiram interação com a população, criando "núcleos" habitacionais e, não raro, sujeitando-se aos mais diversos subempregos.
    Há que se retomar as missões dadas ao Dr. Paulo Fernandes Viana, pois a sociedade clama mais do que segurança. Ela quer ter resgatados os valores morais e sociais, a dignidade, o ser tratada como gente. Precisa novamente de um "agente civilizador".

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Concordo contigo, caro Carlos Alberto Duarte Pinheiro. Entendo que a estratégia de obter números favoráveis, em relação aos índices criminais, impede a visão, com nitidez, sobre o mais importante. Precisamos de agentes civilizadores para garantir à sociedade mais qualidade de vida.

      Excluir